No silêncio da noite sonolenta, escutava o ressoar dos seus passos cadenciados, leves.
Caminhava sem pressa, sem destino, sem rumo, apenas para se sentir totalmente inteiro nos seus pensamentos que o transportavam a prazeres poucas vezes sentidos.
Deixou-se guiar pelas luzes dos candeeiros antigos e cansados.
Voou pelas asas da imaginação, pintou de cores portas fechadas e janelas escuras.
Deambulou por entre ruas e vielas contornando casas que as estreitavam e ouviu dos telhados os murmúrios e os suspiros que se evaporavam.
Lembrou-se do fado, canção tão chorada de que não gostava.
Dos poetas que cantavam os amores e as tertúlias da noite boémia e que não lia.
E no turbilhão do silêncio ensurdecedor sentiu a vida que o chamava e o tempo que passava como o deslocar soprado do vento.
Quanta calma, mas quantos gritos calados no seu caminhar solitário.
E no entanto, sentia-se completo, livre, em casa, aconchegado.
Olhou as pedras da calçada, tão característica da sua cidade, que continuava a trilhar.
Tinham brilho próprio, polidas mas gastas por tantos passos desconhecidos que a pisavam.
Percebeu que aquelas pedras respiravam, contavam histórias e delas, milhares de rostos se desenhavam.
Transpiravam plenas de vida. De vidas passadas, ausentes, alheadas, presentes, de hoje, de ontem, salpicadas de lágrimas, semeadas de sorrisos.
Pulsavam a cada minuto decorrido.
A noite é mágica, tem destas coisas! Oferece-nos momentos quase perfeitos.
E foi então que se apaixonou por aquelas pedras da calçada.
Mafalda, 27 de Novembro de 2011
E pronto lá se acabaram as festas!
Tenho pena, juro que tenho!
Mas depois de tanto bulício, sabe bem uns dias calmos, cheios de preguiça, com o sofá nos convidando com um piscar de olhos provocador.
A casa continua enfeitada e parece sorrir-nos.
E por fim, já que não houve percalços a lamentar, rendemo-nos de boa vontade.
Lembrando melhor e já que a memória não me falha, cá por casa aconteceu alguma turbulência!
Enfim nada de grave, se considerarmos que “um coma alcoólico” é coisa banal e passageira.
Passageira ainda estou para saber, quando souber o veredicto logo terei certezas, sim porque isto de prognósticos, já como dizia o outro, só no fim do jogo.
Isto é a prova “provadinha” de que há certos convidados que não devem estar à nossa mesa.
Pelos vistos com uma vontade louca de antecipar a noite de final do ano, o meu Toshiba decidiu que fazer companhia ao jantar do meu filho mais velho, era o melhor que lhe podia acontecer e nessa perspectiva, lá se poisou na mesa desligado para que o sossego não faltasse.
Mas como estes tempos são de magia e as mãos do meu filho autênticas malabaristas e formadas em artes de ilusionismo, não sei lá porque palavras de “abracadabra”, ou artes de “berliques e berloques”, o copo de vinho, um alentejano de 2007 de nome Herdade do Pombal, resolveu brindar com o portátil, arremessando-se contra ele, num gesto de incontrolável solidariedade.
Facto que o Toshiba muito apreciou bebendo daquele precioso néctar.
Haja santa paciência! A minha claro!
Foi toalha, foi mesa, foi carpete, foi banquinho de poisar os pés, meu companheiro de descanso, foi portátil, tudo brindou minha gente.
A minha voz ecoou, vociferando nem eu sei o quê e apressada tentava limpar e a tudo acudir, enquanto na paz do senhor meu filho dizia:
- Calma que isto não é nenhuma desgraça!
Não sei se foi imaginação, mas bem que me pareceu ouvir um som saído do portátil parecido com flop! flop!
Mas o que não foi imaginação de certeza foi quando depois de tudo limpo e uma hora passada, eu fui ligar o portátil. Lá ligar-se ele ligou, mas logo de seguida num suspiro desligou-se até hoje.
Tinha entrado em coma alcoólico.
Coisa que nunca tinha visto, mas como há sempre uma primeira vez para tudo!
E hoje, porque antes não valia a pena, lá o transportei ao “hospital”.
Fico à espera de novidades perguntando-me se irá sobreviver, ou se terei que dar autorização para desligarem a máquina e deixá-lo partir.
Conclusão, depois de uma longa vida nascida aqui em casa, o Toshiba a dada altura aventurou-se e partiu em busca do seu caminho.
Há pouco tempo, qual filho pródigo, voltou à casa que pelas minhas mãos o acolheu com carinho.
Quis o acaso ou o destino que lhe acontecesse tal sorte!
Não, não foi no inspira-me que me inspirei.
É um facto da vida real.
Mafalda, 3 de Janeiro de 2011
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. Pedras da calçada Lisboet...