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Autor da foto - ratu
Assisti na passada semana a uma reportagem televisiva, transmitida por um dos nossos canais, que visava alguns aspectos da vida hoje e como sob formas diversas, algumas pessoas, começam a preferir outros meios de vida, trocando o cansaço das grandes cidades pelo sossego de lugarejos espalhados pelo interior do país, em alguns casos embora quase desertificados, constituindo verdadeiras pérolas do nosso património genuíno e ancestral.
Foi o caso da aldeia de Atenor – Miranda do Douro que viu com algum espanto, talvez até certa desconfiança, um grupo de jovens que alegremente e decididos entraram pela aldeia e se estabeleceram na determinação de estudarem, cuidarem e preservarem uma espécie quase em vias de extinção – O Burro de Miranda.
Hoje, ali estabelecidos há cerca de 10 anos, contam já com bons resultados e com a boa aceitação das gentes da aldeia.
Diz o povo que quando a esmola é grande, o pobre desconfia (neste período do país tão conturbado, bem entendemos o significado destas palavras), mas quando as intenções são boas, mais tarde ou mais cedo, elas são aceites e até procuradas.
Deixo-vos o vídeo que recolhi da net para que possam saber pormenores do que aqui falo na generalidade.
Recordo, eu que sou saloia pois nasci como se dizia, fora de portas, mais concretamente em Algés, de nesse tempo haver muitos burros… e refiro-me como é evidente à espécie animal irracional.
Eles foram sempre um precioso auxiliar nas tarefas “domésticas”, quer na agricultura, quer no transporte de mercadorias – daí com certeza a expressão do burro de carga.
Elas eram transportadas nos alforges que lhes eram colocados, ou em carroças que os animais puxavam e faziam mover.
Era por exemplo, um animal que qualquer família de raça Cigana possuía e utilizava para as suas deslocações, uma vez que pela sua cultura nómada, frequentemente se deslocavam, ou mesmo, porque sendo uma raça de características laborais, comerciantes, andavam de feira em feira, como aliás ainda hoje é muito o seu modo de vida.
Poder-se-á dizer que o burro era, além de um animal de trabalho, também um animal que se tornava quase parte das famílias, como o é hoje um cão.
Felizmente, há pessoas assim, como aquele grupo de jovens que em boa hora, trocaram os prazeres da cidade, pela simplicidade de uma aldeia para com gosto se entregarem a uma boa causa.
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Arre burrinho
Vai o burrito andando
Caminho de terra batida
Leva os alforges cheios
Pão, azeitonas e vinho.
Vai carregado o burrito.
Segue-o a criança descalça
Olhos redondos vivos
Rosto de pele rosada
Cabelos cor de seara.
Segura na mão a varinha
Rasga com ela o ar
Com sua graça e destreza
E ouve-o assobiar.
Arre burrinho amigo
Que temos de ir e voltar
Antes que o sol aqueça
Sem fonte pra refrescar.
Seguem os dois lado a lado
Seus passos cadenciados
Olhos postos na frente
Esperança de o fim alcançar.
Lá longe o trilho acaba
Na casa senhorial
O jardim ornamentado
Baloiços, risos se ouvindo.
Entram pelo portão dos fundos
O burrito e a criança
Do jardim bem separados
Pela cerca de madeira.
Usando de todas as forças
Pega a criança os alforges
E entrando na cozinha
Entrega a mercadoria.
Agarra o copo de leite
Que a mão comprida segura
Bebe-o de uma golada
Limpa a boca na camisa.
Recolhe as escassas moedas
Que a mesma mão lhe estende
E ouve a voz que lhe diz
Tem cuidado não as percas.
Volta de novo à rua
Leva o burrito ao poço
Da mesma água que bebem
Molha a cara e o pescoço.
Monta o burrito a criança
Os pés já lhe estão doridos
Que como que ensinado
Faz-se depressa ao caminho.
Vai mais leve o burrito
Que a criança pouco pesa
Vão vazios os alforges
E os bolsos quase também.
Numa vózinha sumida
De anjo de coro de igreja
Diz a criança sorrindo
Arre burrinho amigo
O sol ardente já queima.
Mafalda, 2 de Janeiro de 2010
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