Olhou para mim com um ar cansado, uma sombra de olheiras e pálpebras pesadas eram visíveis.
Retorqui-lhe com um olhar inquiridor que lhe perguntava… que se passa?
- Estou cansado… sabia-me bem uns tempos de recolhimento… fechar a luz e não ter de pensar.
É muito bom, melhor, é óptimo e gratificante dar-me a conhecer… receber visitas… retribui-las… receber e dar amizade… ser alvo de miminhos e palavras de elogio…
Faz tudo parte de um convívio que já não dispenso e me engrandece… alimenta a minha auto estima… dá-me tanto de bom que a vida tem…, mas ao fim de um ano, ainda que vivido com muito prazer, sinto que preciso de um descanso… isolar-me um pouco e reencontrar alguma serenidade naquela descontracção de nada fazer…
Sabes aquele poema de Fernando Pessoa que começa assim…
“Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
…”
É isso mesmo! Encontrei nas suas palavras, aquilo que me apetece mesmo… libertar-me de obrigações… seu poema chama-se Liberdade… e é disso que preciso agora… um pouco de liberdade só para mim.
Escutei todas as suas palavras com atenção redobrada, sem no entanto não deixar de me admirar com o conteúdo do seu discurso.
Nunca tinha parado para pensar o trabalho a que se sujeitava e pensava eu sem qualquer preocupação, que por mais ocupado que estivesse, jamais se sentiria assim… antes pelo contrário… quanto mais actividade tivesse, mais forte se sentiria.
Percebi que mesmo sendo um guerreiro, sempre disposto a fazer o que lhe pedia, era tempo de lhe oferecer uma merecida pausa… e foi assim que lhe disse…
- Terás o descanso que me pedes querido blog, companheiro de tanto tempo de tristezas e alegrias, bom ouvinte de conversas sérias e sempre aberto a qualquer brincadeira… devoto pastor de toda a vida aqui partilhada… meu amigo… meu guerreiro que bem merece o seu repouso.
Aqui te deixo o teu cantinho de sossego.
Até…
http://fotos.sapo.pt/0jZETLiMJgaezrFrwrPl?a=33
Autor da foto:Simões da Silva
Mafalda, 31 de Agosto de 2010
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
Há um mistério resolvido, espelhado e reflectido entre os azuis do mar e do céu, que se tocam e se trocam bem lá na linha definida, longínqua do horizonte.
E eu não sei qual deles me encanta mais, invade e preenche, sensibiliza e emociona na contemplação do meu olhar.
Talvez que em asas de sonho o mar me leve e em pedaços de nuvens, através do céu à terra me devolvam serena, ao lugar onde sinto que as águas abraçam meus pés.
Mafalda, 22 de Agosto de 2010
(foto Lusa Sapo)
Cheira a Verão… cheira a férias… a calor… cheira a Sol e a Mar. Pelas praias, sentem-se os cheiros misturados dos vários cremes protectores… nos salpicos que nos refrescam da ondulação que em espuma branca se desfaz na areia, cheira a maresia e no sentido da memória, cheira aos fritos adocicados da Bola de Berlim.
Nos bancos dos jardins, onde se procura o acolhimento da sombra da copa de uma árvore, cheira à magnólia florida, cheira a rosas e a cravos nos canteiros, cheira a lírios e à ervilha-de-cheiro que se enrola pela armação do pequeno lago. Um misto de aromas que nos inebria e cheira a sonhos… sonhos que nos despertam para a vida.
Nas casas abrigam-se os cheiros dos frutos apetitosos… o pêssego suculento, o melão de sabor fresco e a melancia tão cheia de charme.
Pela cálida e calma noite que chega, cheira à doce madressilva e à glicínia frondosa.
Nos campos cheira a alecrim e a rosmaninho e pela madrugada cheira ao cheiro do pão fresco.
Ao olfacto apurado, surge um outro cheiro… cheira a fumo… cheira a lenha queimada.
Não é o cheiro do churrasco que esse é de carvão, nem à lareira acesa que essa só no Inverno.
São as florestas a arder… aqui… ali… além e ainda mais além.
São as árvores a morrer numa horrenda agonia, numa afronta ao ambiente que desolado se torna.
São os homens cansados e suados de coração arrefecido por tanto calor enfrentado, pela impotência sentida de não poder acudir, pela dor de assistir a alguns companheiros perder.
Bravos Homens Estes!
Homens de alma apetrechada de coragem, mas mal apetrechados de meios industriais que mais não possuem e nem têm como exigir.
E quem pode, assiste simplesmente abrigado no seu conforto… promete fingindo uma mágoa que não sente e nada faz.
No próximo Verão tudo voltará a ser como agora… e nós vamos ficando de cada vez, mais tristemente empobrecidos, porque a nossa floresta arde em fogo que se vê, se sente e não se apaga.
Mafalda, 13 de Agosto de 2010
Toda a tarde, exuberante e destemida a cigarra cantou, num hino ao sol, ao calor e ao lazer.
Onde se esconderia ela? Talvez num canteiro das árvores da minha rua, ou talvez nalgum dos vasos de flores dos terraços dos vizinhos.
Mas na noite que estivera quente, não ouvira cantar o grilo.
Talvez que ele fosse mais tímido, ou quem sabe mais medroso e o assustasse o barulho dos carros, levando-o para lugares mais tranquilos.
E por falar em canto, lembrei-me da andorinha dos beirais que na Primavera tinha visto de volta ao ninho que o ano passado nascera, junto à porta da garagem do edifício ao lado. Por lá vivia com suas crias que eu bem as ouvia ao cair da tarde.
Mais um canto recordei. Um canto que nunca ouvi.
Como cantará a cotovia?
Dizem que é como um anjo da primavera que voa alto nos céus, desperta a esperança onde quer que vá com seu canto belo e inigualável.
Alguém poderá matar uma ave assim?
Muito me marcou na minha adolescência, a leitura desta obra “Por favor não matem a cotovia”, que hoje, talvez por ouvir a cigarra cantar, relembrei tão fortemente.
É uma história contada na voz de uma criança do sul dos Estados Unidos da América, onde questões delicadas como o racismo, a opressão, a injustiça ou o preconceito saltam das suas páginas.
De leitura fácil, mas que nos prende e agarra até ao final.
Um livro que me deu vontade de reler.
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Por favor não matem a cotovia da escritora norte-americana Harper Lee, nascida a 28 de Abril de 1926 no estado de Alabama, no seu título original “To kill a Mockingbird”, foi publicado em 1960 e em 1961 ganhou o prémio Pulitzer.
Mafalda, 11 de Agosto de 2010
(foto da net)
http://olhares.aeiou.pt/o_paraiso_e_por_ali_foto2809742.html
Autor da foto: Jorge de Freitas Soares - chamou-lhe "O paraíso é por ali"
Abriu os olhos lentamente. A luz do dia já lhe invadira o quarto. Virou-se e espreitou pela janela de sacada.
Como estava bonito lá fora! E sorriu sonolenta.
Ergueu o tronco e sentou-se na cama cruzando as pernas como se fosse meditar. Levantou os braços e espreguiçou-se longamente como se quisesse de imediato pôr todos os músculos a funcionar e sorriu num esgar preguiçoso.
Atirou com o lençol e num movimento repentino saltou pró chão. Descalça e em bicos dos pés apressou-se até ao roupeiro abrindo uma porta. Pegou num cabide de onde pendia um vestido. Admirou-o e sorriu satisfeita.
Não era nem azul claro, nem escuro. Nem azul mar, nem azulão, azul petróleo, sequer turquesa, talvez com um toque de lilás… era um azul especial. Para quê definir?
De alças mais pró larguinho e decote redondo um pouco generoso, inteiro e bem ajustado ao corpo. Tinha no lugar dos bolsos em efeito arredondado, um enfeite de missangas pretas bordado.
Encostou o cabide a si e ajustou com o braço o vestido na cintura. Mirou-se no espelho, gostou do que viu e sorriu sonhadora.
E com cuidado o colocou direitinho bem em cima da cama.
Voltou de novo ao roupeiro, abriu uma outra porta e apanhou uma caixa que abriu. Lembrou-se “da caixinha das surpresas”, mas surpresa eram as lindas sandálias pretas de saltinho bem alto que comprara para usar com o vestido.
O seu olhar brilhou e sorriu… porque não... Vaidosa?
E assim os poisou e deixou junto ao seu vestido.
Sempre em bicos dos pés, percorreu a casa toda como que a dar-lhe os bons dias. E a casa cheirou-lhe a rosas e sorriu enternecida.
Com todo o cuidado preparou o seu banho. Encheu a banheira de água tépida, pura, cristalina, revitalizante, fonte de vida. Juntou-lhe umas gotas de um óleo aromático de flor de laranjeira. Espuma de banho de algas marinhas e agitou-a sentindo-a macia.
Retirou da jarra duas rosas para que continuassem em número impar. Eram cor de salmão… enviara-lhas o filho… inspirou-lhes o aroma e sorriu comovida, saudosa.
Não! Não era dia para isso. Era dia de viver e sorrir com esperança.
Desfolhou então as rosas e espalhou as pétalas por toda a banheira. Ligou o leitor de CD e deixou o som baixinho. Uma a uma acendeu as velinhas dispostas na banqueta e logo se evidenciou o cheiro a alfazema e a canela, atribuindo ao ambiente uma fragrância ao mesmo tempo campestre e sofisticada.
Livrou-se do pijama de seda cor de pérola e finalmente entrou na banheira. Relaxou, sentiu-se a flutuar e sorriu deliciada.
Passou um creme no corpo, tratou do rosto e do cabelo. Salpicou-se de perfume e correu para o vestido azul que enfiou, calçou as lindas sandálias pretas e espreitou o espelho que lhe devolveu sua imagem.
Que morenaça “giraça” – pensou, remirando-se de novo e sorriu diveRtiDa.
Dirigiu-se para a porta, deu dois passos atrás para pegar a máquina… nunca se sabia a beleza que podia encontrar… hesitou..., mas acabou por deixá-la. Hoje o dia era seu. Alguém havia de fazer de repórter e sorriu descontraída.
Saiu sem destino pensado, sem saber para onde ia, mas confiante no destino.
Enquanto conduzia reparou que as cores estavam mais vivas, que a luz tinha mais brilho e o ar… o ar era mais leve e sorriu reconfortada.
Puxou uma cadeira e sentou-se. Passou os dedos no cabelo e ergueu o rosto na direcção do sol que caloroso a beijou.
Olhou à sua volta e reparou que sem dar conta se encontrava na mesma esplanada de sempre com suas cadeiras azuis.
Curioso – pensou e sorriu surpreendida.
O funcionário já seu conhecido abeirou-se e presenteou-a com um cordial bom dia.
- O mesmo de sempre, senhora?
- Bom dia. Ah, hoje não. Primeiro quero uma taça daquela deliciosa salada de frutos tropicais, um croissant folhado, recheado com doce de pêssego rosado e requeijão de Seia e um chá de jasmim. Só depois o café.
- Se me permite o comentário, uma escolha arrojada, mas de excelente bom gosto.
- Ainda bem que concorda – respondeu, e sorriu lisonjeada.
Enquanto esperava pensou como as pessoas tinham tanto de agradável para oferecer e quando bebeu o primeiro gole de chá lembrou-se que tinha aprendido que na medicina tradicional chinesa, a este chá, lhe era atribuída uma influência reguladora Yin e Yang e sorriu tranquila.
Prestando um serviço de boa qualidade, por atento que estava o funcionário, findo que foi seu pequeno-almoço veio servir-lhe o café e surpresa das surpresas, vinha acompanhado de um bombom – um “Bacio”. Isso lhe fez lembrar de imediato aquele taxista em Itália que ao deixá-la no local de destino se despediu dizendo “Ciao bella”.
Ainda embrenhada nestes pensamentos levantou o rosto dirigindo o olhar ao empregado e sorriu-lhe agradecida.
Já não lhe restavam quaisquer dúvidas que o seu dia era mesmo especial, desde o início até ao fim.
Até ali tudo lhe tinha corrido maravilhosamente e sentia-se de facto bem.
Não tinha grandes planos. Almoço com amigos, jantar com outro grupo, e no tempo que sobrasse, logo surgiria algo que a satisfizesse, mas tudo para saborear no seu máximo.
Viver apenas o momento, os tais de que fabricava a sua felicidade. E sorriu serenamente.
Não tardou um segundo e o telemóvel tocou e a voz do outro lado fazia-a rir com vontade.
As chamadas sucederam-se durante todo o dia, assim como os risos e os abraços, as palavras de amizade e os prazeres do convívio, fazendo-a sorrir de Alegria.
Quando os festejos do dia findaram e finalmente na sua almofada a cabeça repousou, reviu tudo como um filme e enquanto isso sorria.
Num suspiro profundo de quem respirou bem-estar, fechou os olhos e sorriu emocionada.
Não foram aqui descritos, nem de longe nem de perto os mil e um sorrisos do título.
Muitos outros ficaram pelo caminho, mas pelo caminho de alguém que os possui, os guarda e os oferece a cada momento seu.
Mafalda, 6 de Agosto de 2010
P.S. Não tenho o hábito de usar tags nos meus posts, no entanto achei que neste se justificam
por se tornarem um complemento do texto.
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