Ontem foi o dia do teu aniversário.
Lembro-me das festas que costumava fazer para ti neste dia e também para os manos no dia deles.
Além dos vossos amiguinhos reunia a família toda, os nossos amigos e seus filhos.
Juntava-se sempre muita gente. Era sempre uma confusão porque as casas são pequenas e o jantar tinha que ser servido em pé.
Não sei o que dava mais trabalho se o antes se o depois.
A casa ficava toda num caos e se fazer as compras confeccionar os pratos e os doces, alterar a disposição dos móveis, dispor as louças para que tudo ficasse mais prático e de melhor acesso a todos se tornava uma canseira, o arrumar de tudo depois da festa era uma verdadeira batalha, pois não havia bocadinho da casa que não tivesse sofrido as consequências da “invasão”.
Mas enquanto foram crianças e adolescentes nunca deixaram de ter a vossa festinha, o melhor que eu podia fazer e que fazia com alegria apesar do que, sabia-o, tinha de trabalhar.
Mas tu cresceste, os manos cresceram e a pouco e pouco as festas foram sendo mais suaves. Só a família e ainda assim cada vez menos numerosa.
Triste este facto!
Nos últimos anos, alguns foram comemorados em reunião familiar, mas só com o bolinho de aniversário e um cafezinho, ou com um jantar fora.
Sei que todos vocês apreciaram sempre as festas em casa e com toda a gente reunida.
A mim é que já me faltava a capacidade para tanto.
Este ano, porém, a tua festa de aniversário revestiu-se de um conteúdo inovador, totalmente diferente.
Quiseste fazê-la na tua própria casa, onde já estás a dormir há talvez umas quatro semanas e achaste que seria uma boa oportunidade de convidares a família e uma ou outra amizade para mostrares e ofereceres a todos a TUA Casa.
Concordei em absoluto!
Os telefonemas de convite foram feitos por ti, não foi servido jantar, mas não faltaram alguns petisquitos, bebidas, um cafezinho e claro o bolinho de aniversário.
Creio, juraria, que te sentiste bem com este facto.
Teres e mostrares o teu cantinho e aí celebrares o primeiro aniversário que nele passavas.
Completaste ontem trinta e uma Primaveras.
Ao regressar a casa e já deitada, não pude deixar de pensar que tinha sido o primeiro de muitos aniversários teus que eu já não organizaria.
Percebi então, verdadeiramente, que já não te ouvia entrar em casa á noite, ou que quando não te sentia entrar, já não me levantava, quando acordava de madrugada para verificar se já dormias no teu quarto.
E podes crer que isso me acontece muitas vezes em especial ao fim de semana. Mas em seguida me lembro que já não dormes cá.
Tive-te comigo praticamente trinta e um anos. Agora tens outro tecto.
É estranho saber isso!
Estranha sensação esta a de não te ter a dormir em casa!
Mafalda, 24 de Maio de 2008
Hoje deitei-me por volta da uma hora da manhã.
E quando dentro do conforto da minha caminha me encontrei, dei conta de que tinha os pés gelados.
Foi então que uma lembrança do passado já distante, mas sempre tão presente, me veio à memória.
O tempo em que no Inverno eu chegava a tua casa a horas em que tu talvez já há um par de horas te encontravas no aconchego da tua cama, já dormindo até.
E eu me deitava do teu lado encolhida fazendo os possíveis para não te tocar, sobretudo com meus pés gelados.
Tu me abraçavas, encostavas teu corpo quente ao meu e aconchegavas meus pés em tuas pernas para me aquecer.
Não imaginas o quanto era bom!
Eu sempre fugia com os pés dizendo que me fazia impressão por pensar que para ti devia ser uma sensação desagradável. Acho que se alguém me fizesse isso eu daria um grito.
Mas tu respondias:
- Já me ouviste reclamar? Sou eu que quero!
Não havia como resistir.
Ah quanta saudade esta recordação abrigou!
Uma lembrança tão singela e ainda assim tão carregada de emoção.
Sempre nada me deste, mas sempre tanto de ti recebi.
Surpreender-te-á este meu trocadilho?
Não fiques a pensar nisso porque não é ofensivo.
Transporto na bagagem da minha vida tantas “pequeninas coisas” boas que me deste a viver, ao contrário de ti que de mim sentiste, desagradado, “pequeninas coisas”, mas ainda assim tão grandes, que te levaram de mim.
Mafalda, 19 de Maio de 2008
... E já que uma lágrima rolou, quebrando a promessa a mim mesma de que não choraria, deixarei que meu pranto contido se solte finalmente, rompa em soluços sentidos estremecendo meu corpo, inunde minha face de lágrimas que não secarei, alivie minha alma da tristeza que em segredo nela habita e faz com que me esconda.
Deixarei sim que meu pranto chore tudo o que lhe apeteça, o tempo que precisar, até que por fim não tenha mais lágrimas nem soluços e o silêncio se instale e se junte, de mãos dadas, à penumbra da luz do fim do dia.
Quem sabe assim minha tristeza se afogue neste meu pranto e na calma do silêncio e da luz do crepúsculo, minha alma adormeça tranquila.
Amanhã será um outro dia!
Mafalda, 12 de Maio de 2008
Olhei surpresa aquele rosto onde uma lágrima deslizava suavemente seguindo o curso da face, contornando seu queixo, esvaindo-se no pescoço e finalmente escondendo-se no colar que o enfeitava.
Era apenas uma gota de água cristalina e salgada. Deixou marcado um sulco molhado. Brotou de uma olhar triste, magoado, mas curiosamente, sereno.
Não conseguia desviar meus olhos.
- Porque chora? Perguntaram-me.
- Não sei! Talvez saudade, ou se sinta só, quem sabe?
- Se sinta só? Três filhos adultos! Uma casa cheia isso sim! Há sempre música, televisão! Às vezes uma barulheira!
- E desde quando filho adulto faz companhia, quebra solidão? Filho segue sua vida. Também já fizemos o mesmo.
Não houve resposta. Fêz-se silêncio.
E eu continuava olhando aquele rosto e quanto mais o observava, mais achava já o ter visto. Reconhecia-o e ao memo tempo não me lembrava.
Era rara a sensação, incomodava, mas fascinava também.
Nossos olhares se fixavam e eu continuava procurando nas minhas lembranças algo que me levasse até aquele rosto.
- Eu conheci-te? Estás diferente?
Um sorriso franco desenhou sua boca.
- É verdade conheceste-me. Assim tanto que não dá para lembrar?
Foi a voz que saiu do sorriso que me fez recordar.
- Não é possível! Não fosse pelo sorriso e o som da tua voz! Teu olhar não me deixava...
Lembro-me de ti. Claro que me lembro. Como poderia...Mas que aconteceu àquele brilho que teus olhos espalhavam em teu rosto?
Lembro-me dos teus olhos grandes reflectindo um olhar vivo, irrequieto e curioso, um pouco travesso até. Era cheio de esperança e alegre. Com ele e esse sorriso sempre desenhado em teus lábios, brindavas todos que contigo conviviam.
Há quanto tempo não olho para ti de verdade! Só hoje notei a diferença? Que pode ter acontecido?
- Nada. Simplesmente vivi a vida dos outros e nela me esqueci de mim mesma. Não que me arrependa. Mas agora sinto-me só.
- Tenho a campainha a tocar. Vou ter de ir, mas...
- Vai e não voltes para me ver. Pensa em ti e luta por ti.
Era o carteiro a entregar a revista de Skateboard que não cabia na caixa do correio. Apressei-me a arrumá-la no sitío.
E ao dirigir-me para...ouvi em pensamento a última frase do diálogo.
Estava sómente a ver-me ao espelho.
Mafalda, 10 de Maio de 2008
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. A pena do gabbiano deslis...
. O BEIJO
. Casa Arrumada... Desarrum...