A ti, meu querido filho, eu te dedico estas linhas, tentanto expressar meus sentimentos por ti, de ontem, de hoje, de amanhã, de sempre!
Desde há tempo que sei, eu acho que sempre soube, chame-se-lhe, sexto sentido, instinto de mãe, pressentimento ou o conhecimento sobre os teus anseios, sobre o que querias para a tua vida, que serias talvez o primeiro, ou pelo menos assim que tivesses oportunidade, a saíres de casa, a libertares-te da família que te coube por nascimento, com quem viveste até agora.
E se alguma dúvida me restasse, soube-o no dia em que sentados os quatro à mesa ao jantar, faz já um tempinho, falaste em hipótese, embora remota, de talvez ires partilhar uma casa com alguns amigos
Confrontei-te com a seriedade e a veracidade de tais planos e rindo, descansas-te-me dizendo que eram apenas ideias sem qualquer fundamento, ou, ainda longe de concretizar.
Lembras-te? Eu nunca esqueci!
Fiquei-me perguntando o que te levaria a querer sair de casa, se isso implicava mais despesas a teu cargo e dei comigo a pensar se não te sentirias feliz aqui!
É por demais evidente que um dia qualquer, mais cedo ou mais tarde, de uma maneira ou de outra, haverias de desejar a tua indepência. E isso eu entendo!
Com todos nós isso sucede, ou porque nos casamos, ou vamos viver com alguém, ou simplesmente queremos o nosso cantinho para viver do nosso jeito.
No que diz respeito a sentimentos és muito reservado e guardas tudo para ti. Nada me contavas, mesmo quando te questionava. Não sei se o farias com alguém, há sempre umas amizades especiais, ou com o teu irmão João, com quem julgo existir uma forte ligação, uma grande amizade, uma empatia, um entendimento mútuo e recíproco. Só desejo muito que nunca percam esse sentimento tão importante nas vossas vidas!
Na minha situação de mãe e porque te amo muito, respeito e aceito em pleno a tua posição. Não posso, não devo, nem quero tentar modificar-te. És demasiado genuíno para que alguém possa querer ter essa veleidade. Seria quase um crime! Mas nessa mesma situação de tua mãe, sinto pena porque penso não ser bom para ti. Todos nós temos que desabafar, deitar cá para fora o que nos vai na alma, ou corremos o risco de “sufocar”. Consola-me a ideia de que o farás com alguém.
E de degrau em degrau, foste dando os teus passos, tomando as tuas decisões, construindo a tua vida que espero se torne na realidade dos teus sonhos.
Hoje, novamente me interrogo sobre se não te sentirias feliz e isso provoca-me uma ansiedade enorme.
A nossa vida aqui em casa não foi fácil. Eu esforcei-me muito para se sentirem bem, mas...
Sei que nem sempre consegui dar-te o ambiente ideal para ti.
O teu tom de voz é sempre baixo e calmo, não gostas de discussões ou de conversas mais acaloradas. Nem sempre te proporcionei o contrário, eu sei, nas minhas conversas com o mano mais velho, com quem, por pontos de vista diferentes, tenho algumas divergências. Ouvir-nos “discutir” era algo doloroso para ti.
Apercebi-me disso e tentei tanto quanto me foi possível corrigi-lo. E não só por ti, mas por todos nós.
E restaram ainda estes dois últimos anos em que, involuntáriamente, e embora com a finalidade de melhorar a nossa situação, mas praticamente vos deixei entregues a vocês mesmos. Primeiro pelo trabalho, com uma demasiada ocupação de horas e depois pela tristeza a que o cansaço me conduziu, roubando-me a paciência, a vontade. Pergunto-me se se terão sentido abandonados e horroriza-me pensar que posso ter feito isso aos meus filhos!
Para além disso, últimamente, ainda fiz de ti (de vocês), confidente de alguns dos meus aborrecimentos, quando ao contrário devia ser.
Espero me perdoes, se algum mal te causei!
Terá tudo isto pesado na tua decisão?
E finalmente estas últimas semanas têem sido tão intensas para mim!
Não me é possível descrever o que senti quando me disseste que ias para os Estados Unidos (eu sei que sempre foi o teu sonho desde menino), quando me disseste vou comprar a passagem, quando me disseste já tenho o bilhete comprado.
Olho para trás, revejo o percorrer do teu caminho até aqui e sinto orgulho em te te ter como filho. Sei que também sentes receio, talvez inseguro, mas não te impede de perseguir o teu sonho.
Hoje vejo-te partir! Partir para tão longe de mim.
Anchorage, capital do Estado do Alasca.
Numa situação que não oferece segurança e eu sinto-me completamente à deriva, porque nada posso, nem devo fazer para o impedir. Tenho que te deixar ir, ainda que para isso eu tenha de engolir minhas lágrimas.
No aeroporto estão meia dúzia dos teus amigos, também eles de lágriminha no canto do olho e não imaginas como é gratificante para mim, tua mãe, saber que fizeste amizades assim!
Enquanto esperavamos, depois do check in tive de me afastar um pouco para não me veres chorar e recompôr-me.
Na hora do embarque, depois das despedidas, já não era possível conter-me. Vi-te passar o controle, vi-te voltares-te para trás dizendo adeus e vi-te desaparecer pelo corredor no meio de outros passageiros.
E então deixei de te ver! O que senti nem eu sei explicar!
Só pensei que não vou voltar a ver-te! E isso é insuportável!
Voltei-me, comecei a andar e rompi em soluços.
Fazes-me falta filho, muita falta!
Desculpa as minhas palavras se te transmitirem algum sentimento de teres feito algo de errado.
Não! Fizeste o que para ti era o teu desejo. E é assim que está certo.
E aqui, tão longe, só desejo que sejas feliz e se assim te sentir, o que eu sinto não importa e por ti feliz serei!
Quero que saibas, filho, que vou estar sempre aqui para te apoiar, para te dar força, para te ajudar se e quando precisares.
Quero que saibas, filho, que qualquer que seja a tua opção de vida, nunca vou deixar de te amar, de te acarinhar.
Quero que saibas, filho, que podes sempre contar comigo, que vou estar sempre do teu lado.
E agora que estás longe da familia, dos amigos de tantos anos, lembra-te sempre que sou capaz de ouvir-te sem nada contestar, sem nada julgar, sem nada cobrar.
Faz de mim, se precisares, se quiseres, sem preconceitos, sem tabus de mãe e filho, tua incontestável e silenciosa confidente, tua consciência, como no “grilinho do Pinóquio”, lembras-te? E eu juro que compreenderei e para mim guardarei.
És meu filho e aconteça o que acontecer, longe ou perto, serás sempre muito amado!
Adoro-te.
Mafalda, 28 de Setembro de 2007
- Vi crescer a barriga de uma linda e jovem mulher grávida. Eras tu que estavas lá dentro...
- Conheci-te Bébé recém-nascido...
- Vi-te Bébé, a menina de seus olhos, teus avós, maternos...
- Vi-te criança, com os teus brinquedos, as histórias infantis, às voltas com as roupas que vestias e o trauma dos “Parabéns a Você” e o “Apagar das Velinhas”...
- Vi-te adolescente, alegre, decidida, desembaraçada...
- Vi-te jovem, bonita, sociável, activa “sempre em festa”...
- Vi-te concluíres o teu curso, adquirires a tua independência...
- Vejo-te jovem e a linda mulher em que te tornaste...
- E vejo-te hoje casar!
- Já viste que enorme passo a tua vida já deu?
- Dá à vida, oferece à tua vida, um passo igual, maior, muito maior no teu casamento...
Que o seu “Nascer do Sol” e o seu “Pôr do Sol”, seja de paixão, amor e alegria nos teus dias; seja de ternura, serenidade e tranquilade nas tuas noites...
Que o seu “Limiar” e o seu “Crepúsculo Vespertino”, te traga a luz, o brilho e a cor que tornem a tua vida intensa; te traga o carinho a sensibilidade, a sabedoria que tornem a tua vida doce...
É o meu jeito de te desejar, a ti e ao Carlos mil e uma felicidades. Que o percorrer do vosso caminho juntos seja o que ambos desejarem e se uma varinha de condão eu tivesse, podes crer, assim seria!
Com um grande beijinho meu.
O Tiago, o Bernardo e o João desejam-te felicidades, felicidades, felicidades.
Esta foi a mensagem que escrevi no postal que acompanhou a prenda de casamento da filha de uma das minhas mais lindas e grandes amizades, Madalena de quem sinto tantas vezes saudades e de quem gostava de estar mais vezes junto.
Dei-lhe o título do início do postal...
Poderia ter-lhe chamado “Os Tempos dos Verbos”.
Mafalda, 14 de Setembro de 2007
Ouço baixinho os acordes do She do Elvis Costello. Sei de cor as seis musicas deste CD. Fui eu que as escolhi e gravei. A última chama-se Memories.
A pouco e pouco vou deixando de ouvir, até que escuto apenas o silêncio absoluto.
Nada existe. Sonho agora.
Sinto-me descalça caminhando sobre o chão, como se deslizando, em passos curtos e seguros, em direcção à porta aberta. Lá fora a luz é cinzenta. Vejo através dela a neblina que esconde o céu.
Olho tranquilamente a velha porta e instintivamente ergo meu braço num gesto gracioso de bailarina. Toco-lhe ligeiramente com a ponta de um dedo e suavemente ela desliza, sem resistência, sem qualquer som, até se fechar por completo.
Permaneço imóvel fixando a porta. Parece-me agora tão frágil! Diria até que é transparente! Do lado de dentro sente-se bem estar, aconchego, paz.
Por fim movo-me. Inclino a cabeça para o chão e vejo meus pés descalços, olho minhas mãos, sacudo o meu cabelo e sinto-me livre. Sorrio. Sinto-me como se estivesse levitando. Já não existe aquela porta!
Muito ao longe, como num sussurro, começo a ouvir o final da última canção do CD:
“...Goodbye, Goodbye, Goodbye...”.
Algo me inquieta então!
Tudo estava silencioso! Porque ouço agora?
Não vou ficar no sonho?
E ainda mais agitada pergunto:
- Está alguém a acordar-me? Eu não quero deixem-me ficar!
Não ouço qualquer resposta e apercebo-me que sou eu própria a acordar.
Olho a porta. É novamente aquela velha porta tantos anos aberta e agora fechada.
Precepito-me para ela agora correndo para a abrir novamente.
Se acordar tudo estará como antes. Meu oceano, meu mar, meu lago, meu rio, minha solidão serão de novo meus companheiros.
Com a porta fechada não sobreviverei com eles do meu lado!
Mas ela voltou a ser a velha porta de madeira empenada e ferrolho quebrado e tal como não se movia para a fechar, também não se move para a abrir.
Olho para todos os lados á procura de qualquer coisa que me ajude. Nada. Não encontro nada.
A única coisa que existe naquela sala é uma velha mesa onde repousa um simples lápis.
E de repente veio-me à memória um ditado popular: “Quando se fecha uma porta, abre-se sempre uma janela”
Num impulso agarrei o lápis, corri para a porta e com ele desenhei um postigo que de seguida abri.
Um vento frio e agreste bateu-me no rosto, neste meu rosto de olhar e sorriso triste que só lhe resta sonhar.
Mafalda, 12 de Setembro de 2007
Apetecia-me tanto fechar esta porta, mas não sou capaz.
Há tantos anos aberta, a madeira empenou, arrasta no chão e teima em não se mover, o ferrolho enferrujou e partiu.
Tenho de a mandar concertar!
Mas quem irá fazê-lo?
Queria tanto fechar esta porta, mas não tenho força.
Há tantos anos aberta por ela passou toda uma vida secreta carregada de emoções que a tornaram pesada.
Tenho de pedir ajuda!
Mas quem irá ajudar-me?
Gostava tanto de fechar esta porta, mas falta-me a vontade.
Há tantos anos aberta, por ela entrava o sol e com ele entravas tu. Mas tu partiste!
Tenho de encontrar outro alguém!
Mas onde vou eu procurar?
Devia mesmo fechar esta porta, mas ela insiste em manter-se aberta.
Há tantos anos aberta, e nela já não bate o sol nem tu e lá fora o céu agora é cinzento.
Tenho de procurar uma nova luz!
Mas como se as nuvens são escuras?
Desejo demais fechar esta porta, mas fico imóvel e nada faço.
Há tantos anos aberta, agora só me mostra a realidade do momento, já não me deixa ter sonhos.
Tenho de voltar a sonhar!
Mas quem irá me adormecer?
Ninguém o fará de novo! Simplesmente não existe!
Terei mesmo de fechar esta porta há tantos anos aberta.
Do lado de fora da porta fechada, deixarei, meu oceano de lágrimas silenciosas, meu mar de soluços contidos, meu lago de penas magoadas, meu rio de angústias sofridas, meu mundo de solidão.
Tenho de me apressar a fechar esta porta há tantos anos aberta, ou ainda um dia acordo sufocada nesta tempestade da minha vida.
Sonho que este aperto aninhado em meu coração um dia irá acabar!
E se ele teimar em viver junto a mim, que ao menos eu só precise de um simples postigo, em vez desta porta aberta!
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