Todos nós temos ou tivemos na vida pelo menos uma pessoa em quem encontramos tais afinidades que nos é possível criar, desenvolver uma amizade sincera e nela depositar toda a nossa confiança, trocando confidências, partilhando bons e maus momentos e até, muitas vezes pedindo opiniões sobre este ou aquele assunto, conselhos mesmo porque estamos em dúvida sobre que decisão tomar, que caminho seguir.
Acontece, às vezes, que nem sempre conseguimos mantê-las por toda a vida por diversas razões, especialmente as que criamos quando somos jovens e o rumo das nossas vidas não está ainda bem definido. Seguimos então caminhos diversos, opostos até, adquirimos responsabilidades, o nosso tempo torna-se diferente e deixamos para trás todas as boas lembranças que guardamos num cantinho do nosso coração.
Por vezes, mais tarde, aqui ou ali voltamos a cruzarmo-nos. Ficamos felizes, relembramos com saudade os bons tempos idos, prometemos que agora que nos voltámos a encontrar, retomaremos o contacto, trocamos telefones e endereços, mas na maior parte dos casos tudo fica como estava.
Na amizade, como com qualquer outro sentimento, também acontecem desilusões. Julgamos encontrar a pessoa certa, que nos escuta e conforta, que se ri e diverte connosco, a quem reciprocamente damos também todo o nosso apoio e no decorrer do tempo constatamos por um motivo qualquer, que só do nosso lado havia sinceridade. Ficamos frustrados, zangados mesmo connosco por não termos conseguido percebê-lo, sofremos e também esta má recordação arquivamos noutro cantinho do nosso imenso coração.
Mas não é o caso.
Efectivamente a minha grande amiga, existe, ela é real. Afirmo-o sem qualquer sombra de dúvida.
Na verdade se existem almas gémeas, que homens e mulheres procuram encontrar no amor, ela é a minha alma gémea, que eu encontrei na amizade, na vivência do dia a dia.
Conhecemo-nos desde que tomámos conhecimento que existimos e lado a lado, temos percorrido e vivido em perfeita harmonia as fases da vida. A infância, a adolescência, a juventude, o ser adulto.
E quando falo em perfeita harmonia, não quer dizer que estejamos sempre de acordo, que não tenhamos as nossas divergências. Simplesmente conversamos, debatemos os assuntos e ainda que não cheguemos a acordo e façamos o que o nosso impulso nos manda, seja qual for o resultado, não criticamos, não acusamos, não cobramos.
Partilhamos as nossas alegrias, a nossa felicidade e as nossas desilusões, os nossos desgostos. Juntas, rimos e divertimo-nos aproveitando tudo o que de bom a vida nos dá, mesmo os mais pequenos prazeres, choramos e entristecemo-nos nas horas magoadas, nas horas de pesar, de luto, guardamos cada minuto de beleza que contemplamos, vivemos com a mesma emoção cada nascer e cada pôr de sol que os nossos olhos vêem, cada riso feliz de criança que chega aos nossos ouvidos, cada angústia, infelicidade, que a cada passo assistimos, tomamos conhecimento.
Vivemos apaixonadamente, cada momento, bom ou mau de nossas vidas e ainda das pessoas que a nós nos são queridas.
Sentimos intensamente revoltadas, as injustiças do mundo.
Recordamos com o mesmo carinho a mesma saudade as pessoas, os acontecimentos do nosso passado. Relembramos com a mesma mágoa, a mesma dor o que já nos fez sofrer.
Encorajamo-nos ou consolamo-nos sempre com a mesma sinceridade de querermos o bem uma da outra.
Conhecemos cada pedacinho de nossas almas, cada cantinho dos nossos corações. Cada alegria, cada tristeza, cada experiência vivida, cada segredo neles guardados.
Sentimos cada emoção vivida. Vimos cada brilho iluminado, cada lágrima caída, de nossos olhos.
Hoje ela procurou-me. Trazia no olhar os sentimentos que lhe atormentavam a alma. Não precisámos dizer nada. Ambas sabíamos o que acontecera. Tinha-se encontrado com ele ainda que por escassos minutos e por questões de trabalho.
Sei que ela sabe a minha opinião sobre o assunto. Deveria dizer-lhe claramente que ele foi desleal com ela de um modo injustificável e que não merece nem uma única palavra, um único olhar seu.
Também sei que pensa do mesmo modo, mas ao mesmo tempo acha que isso seria dar-lhe muita importância e não quer dar-lhe esse gostinho. Orgulho, ego ferido? Que importa?
Eu respeito este seu sentimento!
Ofereci-lhe meu ombro amigo, uma almofada para esconder o rosto no meu colo, envolvi-a num abraço e deixei-a chorar sem nada dizer, até que os soluços se calaram e as lágrimas secaram. E o silêncio reinou durante algum tempo.
Um suspiro profundo, um tímido sorriso e um obrigada amiga seguidos por um chá de Lúcia-lima, foi como terminou esta hora triste.
Nada se comentou! Para quê? Não era necessário. Ambas sabíamos o que cada uma estava a sentir. Uma tristeza, a outra raiva. Emoções contidas, bem dissimuladas, só nossas que não ousamos mostrar a mais ninguém.
E é assim a nossa amizade cheia de cumplicidade e entendimento.
Contamos incondicionalmente uma com a outra, sem tabus, sem regras, sem condições.
Nunca nos separamos, nunca estamos sós.
Porque ela sou eu e eu sou ela.
Ela é a minha emoção, o meu coração e eu, a sua razão, o seu consciente.
Mafalda, 29 de Maio de 2007
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