Tirada daqui: http://olhares.sapo.pt/a-ver-o-sol-foto2361970.html
Autor da foto: Jorge de Freitas Soares
“Casa arrumada” é aquela que nos dá vontade de a viver.
Não precisa de ser luxuosa, nem de tudo estar exactamente no lugar, mas precisa que seja a nossa referência, a nossa identidade.
Difícil não é arrumá-la, mas mantê-la assim, o nosso canto de aconchego, o nosso abrigo.
Arrumámos a casa e ficámos aliviados, crentes de que tudo estava resolvido.
Depois…
Ah, depois foi mais forte que o desejo!
Para quê arrumar a casa senão para a seguir desfrutar dela?
Tranquilamente, mas ao mesmo tempo saboreando um bom grau de excitação, estiraçámo-nos no sofá e apreciámos o conforto.
Através da vidraça de vidros imaculadamente transparentes, absorvemos o mundo das cores. O verde das copas das árvores, o azul do céu, uma mescla de pinceladas nas paredes dos prédios, o dourado brilhante do sol.
Pusemos música a tocar, puxámos de um livro e logo de seguida de uma revista.
Ajustámos as almofadas e quisemos ver um filme. Faltava qualquer coisa!
Oh, não! Não eram as pipocas!
Algo mais sofisticado! Um gole de Vinho do Porto, ou champanhe servidos em vidro fino e cristalino.
Um brinde!
Porque não?
À “Casa Arrumada”!
Passeámo-nos descalços sentindo o chão, pousando os olhos aqui e ali, inexplicavelmente satisfeitos com os nossos bibelôs, a nossa decoração. Tinha sem dúvida a nossa cara, passando para o nosso interior uma serenidade e ao mesmo tempo uma alegria determinada e pronta para ficar.
E então rodopiámos languidamente num ritual de dança.
Apeteceu-nos sair, jantar fora, encontrar os amigos, ver o mundo… afinal tínhamos tempo! “A casa estava arrumada” e nada nem ninguém previam que se desarrumasse por si só.
O tempo foi passando sem grandes sobressaltos ou preocupações, com aquela sensação inicial de que se flutuava sobre uma nuvem branca, ou que nas nossas costas se haviam colado umas asas leves.
Novos desafios surgiram que prontamente abraçámos e abraçou-nos também a falta de tempo para tanta coisa em conjunto, coisas simples, naturais, mas importantes. Inevitavelmente o cansaço tocou-nos e trouxe-nos de regresso.
“A casa arrumada” esperou por nós, fiel e impávida, paciente, mas implacável!
Abrimos a porta e entrámos. A surpresa foi um choque.
Não queríamos acreditar no que os nossos sentidos nos diziam, no que os nossos corações sentiam.
Os móveis estavam cobertos de pó. No chão, ao mexer dos nossos passos, rolinhos de cotão voavam, mudando de sítio vitoriosos e os vidros agora baços de sujidade, impediam de entrar a luz do dia. No sofá as almofadas desalinhadas tornaram-se desbotadas, sem graça e os bibelôs desinteressantes.
Não! Aquela não era a nossa casa! Como podia ser? Não nos transmitia nada! Apenas e simplesmente nem vislumbres da decoração que fizera a nossa cara.
Saímos e voltámos a entrar cheios de ansiedade.
Não conseguíamos acreditar! Que teria acontecido?
Como foi que permitimos que pudesse suceder?
O dia perdia já, a luz, a cor.
Que trabalho inglório, este de “arrumar a casa”!
Nunca está feito, pronto, terminado.
É insaciável e sempre exigindo mais da nossa atenção.
É um constante refazer daquilo que já foi feito, cheio de contra-indicações e efeitos secundários que se devem observar cuidadosamente se queremos que “uma casa arrumada”
seja, efectivamente, a “nossa casa arrumada”, onde sensibilidade, harmonia, bem-estar, alegria e bom senso sejam os pontos cardeais que nos orientam e nos estimulam a continuar a viver numa franca, saudável, livre e cativante cumplicidade.
Não sei, não sabe ninguém, os caminhos do futuro que se nos abrirão à frente.
Apetece-me dar a este texto um segundo sentido.
Observá-lo do ponto de vista do sentido figurado e dar à “casa arrumada” o contexto de como podemos (nem sempre), contornar o nosso destino se tivermos a capacidade de saber ler, assimilar, confrontar e enfrentar as entrelinhas das contra-indicações e efeitos secundários que a vida nos coloca.
É preciso coragem para viver, mas viver é um bem precioso que jamais nos devíamos dar ao luxo de desperdiçar.
Mafalda, 11 de Março de 2012
Aperta-se-me o coração ver esse teu olhar azul, baço. Esse teu sorriso jovial, “envergonhado”. Esse teu rosto de barba de três dias, sombrio e ouvir na tua boca a palavra angústia.
Não foi nada disto que eu sonhei…
Meu Deus, como sinto saudades dos tempos em que a vossa felicidade dependia quase exclusivamente de mim.
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