Não sei se vou conseguir surpreender, mas aposta que aceito o desafio.
Nasci e toda a família à espera dum rapazola, porque já tinha duas maninhas e eu teimosa saí rapariga. Feiinha como uma noite de breu… não rias… é verdade… havias de ouvir, ainda hoje as manas falarem sobre isso, mas sou uma sortuda, sabes porquê? Porque depressa esqueceram a desilusão e me mimaram até mais não.
E lá fui crescendo com as minhas dificuldades de criança débil, que não comia e eu lembro-me bem da hora da refeição ser um tormento, mas sou uma sortuda sabes porquê? Porque minha mãe pessoa a pender para a austeridade, o que punha na mesa era o que se tinha que comer, menos eu para quem havia sempre algo diferente dentro do muito pouco que eu gostava.
Na verdade tive três mães e só sei que as amo muito a todas. Haverá muitas pessoas que se podem gabar disso? Vês, sou uma sortuda.
Enquanto uma, apesar de menos lamechas me deixou o legado de saber ser responsável e disciplinada, as outras duas além de o reforçarem deram-me a herança da protecção. Foram minhas fadas madrinhas me abençoando por toda a vida. Vês como sou sortuda?
Meu pai… ah, meu pai! Me aquecia meus pés pequeninos nas suas mãos sempre quentes. Sabes que nunca me ralhou? Vês como sou sortuda?
E como toda a gente fui crescendo. E quem não gosta na adolescência e na juventude de olhar para a sombra e sentir-se admirada? Talvez eu fosse como o Patinho Feio da história da nossa infância, porque de feiinha passei a uma rapariga interessante. Sou ou, não sou sortuda?
Sempre gostei de rir e de brincar e vivia despreocupada, talvez até um pouco irresponsável. Diziam que ria também com os olhos e que falava também com as mãos e com tudo isto fui cábula sim senhor, daí falar de irresponsabilidade, mas sou uma sortuda sabes porquê? Nós, as três manas, tivemos todas a mesma professora de instrução primária. Na minha vez encarregou-me do economato. Um dia veio conferir e… faz de conta que eu tinha vendido 12 lápis a 2 tostões cada um. Era fácil! Bastava multiplicar 12x2=24… pois… mas aqui a menina resolveu que era mais jeitoso somar dois tostões doze vezes. Levei logo roda de burra com todas as letras e que não saía às minhas irmãs, nem aos calcanhares lhes chegava. É aqui que está a chave da minha sorte, porque nunca na vida me esqueci do nome da minha professora – Beatriz. Muita gente não lembra, mas tem mais, o ralhete só contribuiu para aumentar a minha admiração pelas manas. E apesar de cábula, quando terminei os estudos, arranjei depois de apenas duas tentativas o trabalho que me ficou para a vida. Tu conheces tantos jovens de hoje. A quantos deles isso sucede? Entendes porque sou sortuda?
Nunca me saiu o euro milhões, mas sou uma sortuda sabes porquê? Porque quando quero, tenho dois euros para poder jogar.
Nos amores? Espera que te conte. Fui sempre mulher de paixões. A muitas fui correspondida, a outras nem tanto. O pior, ou o melhor, não sei, é que assim que me pareciam seguras… volatilizavam-se, evaporavam-se e deixavam-me de novo livre, leve e solta. É ou não ser sortuda?
No meio disto tudo tive dois “amores-perfeitos”, longos e duradoiros. Perdi ambos de maneiras diferentes, mas sou uma sortuda sabes porquê? Porque aquilo que vivi foi espantosamente lindo e posso dizer com sinceridade que conheci a verdade no amor e tudo o que lembro, agora faz-me sorrir.
E no apogeu de ser sortuda, sinto-me abençoada, sabes porquê? Porque a minha boa estrelinha me deu três filhos lindos por fora (claro para mim) e por dentro que amo acima de tudo.
E quando finalmente a minha vida atinge aquele momento em que se navega na chamada velocidade de cruzeiro, onde não são esperadas novidades, eis que de repente, entro noutro mundo e sou uma sortuda sabes porquê? Porque ganho ainda a fortuna de encontrar novas e belas amizades, pessoas de óptimo carácter, sempre prontas a “puxar” pelos outros, nos seus momentos menos conseguidos.
Costumo dizer que vivo num jardim encantado onde aconchego todos os que amo ou amei, um jardim que não tenho, mas que existe. Nele, guardo-te a ti também. Vês como sou sortuda?
Como alguém disse “não tenho tudo o que amo, mas amo tudo o que tenho”. Isto não é ser sortuda?
Deixo-te uma flor de lótus que colhi no meu jardim encantado. Dizem ser o símbolo "jóia da sabedoria", aquela que sabes transmitir.
Mafalda, 13 de Maio de2010
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. A pena do gabbiano deslis...
. O BEIJO
. Casa Arrumada... Desarrum...